2007/09/04

A camarada que queria ser O Camarada

“Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos;

e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”

( Jo. 8, 31-32 )

Se Zita Seabra fosse o Sec. Geral do PC em Novembro de 75 teríamos provavelmente assistido a um banho de sangue e o autor destas linhas talvez não estivesse aqui a debitá-las. Zita de certeza que não seria hoje deputada do PSD!

Lê-se "Foi Assim" e só apetece dizer "foi assado!". Independentemente de se gostar ou não da senhora, é quase impossível gostar de um relato que ora se atola em repetições empasteladas, ora se aventura por revelações delirantes, tantas das quais já desmentidas pelos directos intervenientes. Entre as "incorrecções" denunciadas por terceiros e aquelas das quais tive, na altura, conhecimento directo, fica de rastos a credibilidade de toda uma obra. Embora algumas não deixem de ser divertidas como a "revelação" de ter Zita consultado Paulo Portas ( em 1984! ) na elaboração do projecto de lei do PC sobre o aborto.

Zita abraça a causa com o fervor de uma burguesinha romântica que pouco mais sabia da vida que uma vaga tradição familiar de oposição ao regime. É ela que põe um pé na porta do Partido e força a entrada. E quando lhe propõe a clandestinidade é com a ideia de um revolucionário profissional que encara a aventura. Mas espera-a uma desilusão. Em vez do trabalho de "organização" é-lhe dado o trabalho "menor" de "mulher a dias" do Partido. Querendo entrar como coronel, indigna-se na sua posição de soldado raso. Mesmo que este soldado tenha importantes funções de logística, de sentinela, de segurança de documentos. Mas afinal que justiça pode encontrar num lugar de ordenança aquele que se julga superior ao oficial?

Enfim chega a sua hora e Zita corre a Lisboa para salvar a UEC da desgraça. Percebe-se que sem ela teria sido a hecatombe. A UEC soçobraria face à vaga imparável dos M-L. Esses mesmos que perceberam logo, em 75/76, onde era o seu lugar ( na empresa do papá, na carreira no PSD ). Zita essa vai levar 15 longos anos a entender. E, o que é mais espantoso, parece ainda não ter concluido a totalidade da sua educação democrática - a tal tutorada por mais um ex-ML, entretanto regressado ao redil das ovelhas ajuizadas. De facto, abundam as expressões mais características da "língua de madeira" do partido. Não tanto pelo uso de certos vocábulos, mais pelo uso de certas construções frásicas, ou mesmo pelo formato do raciocínio ( ou será raciocínio formatado? )

Pelo livro passam também alguns ajustes de contas mesquinhos com camaradas que não se “portaram bem” na PIDE, bem como o desprezo para com os "camaradas de depois do 25 de Abril".

Cunhal terá dito, em pleno CC, que Zita não era cobarde mas sim corajosa para estar ali sózinha em frente a todos. Lendo o livro percebe-se como, para ela, isso não constituia problema. Afinal era apenas ela e Cunhal, os únicos ao mesmo nível. Os restantes eram apenas sub-camaradas, indignos de a julgarem, redundantes enfim!

Mais do que em qualquer um, terá sido em Zita que Cunhal viu o perfil certo para lhe suceder no topo do partido – mais uma filha adoptiva e amada da classe operária. Só assim se explica a subida meteórica de Zita na hierarquia, só assim se percebe os duros castigos aplicados, só assim se explica a raiva surda contra Zita. A tal ponto que, ainda hoje, se fosse feito um inquérito aos militantes do PC sobre qual a personalidade que mais detestavam, só Zita Seabra poderia talvez ficar à frente de Mário Soares.