Numa escola primária da "pátria do socialismo", a professora pediu aos meninos que escrevessem uma redacção a louvar o comunismo. Um dos meninos escreveu:"A minha gata teve três gatinhos e são todos bons comunistas.". A professora gostou muito da redacção e elogiou o menino.
No entanto, no dia seguinte, o menino pediu para corrigir a redacção: "A minha gata teve três gatinhos e dois deles são bons comunistas". Preocupada, a professora quis saber o que tinha acontecido. O menino explicou então que "o outro já tinha aberto os olhos".
No início de 1988 fui morar para o mesmo prédio do Raimundo Narciso. Longe de mim suspeitar que aquele vizinho de trato afável e simpático conversador era um membro "crítico" do Comité Central do partido de que me desligara uns anos atrás. Só dei pela coisa aquando do caso do hotel Roma e posterior expulsão do RN do PCP. Mas, no curto mês e pouco que se passou até eu de novo mudar de casa, não tive oportunidade de com ele ter uma conversa sobre o assunto.
Lancei-me por isso ao livro do RN, com alguma curiosidade, embora sem grandes expectativas de descobrir espantosas novidades. A minha mais ou menos breve passagem pelo PC e respectiva Jota, munia-me de um conjunto de saberes que me deixariam, em princípio, imune a grande surpresas sobre o que se poderia ter passado no interior do CC ou no XII Congresso. Até porque o que sobre este se relata já anteriormente eu vira acontecer, mais coisa, menos coisa, no primeiro congreso da Jota.
Lido o livro sem supresas, como esperado, ficam-me no entanto algumas perplexidades. A maior das quais, provavelmente aquela que eu mais esperaria/goataria de ver explicada: como foi possível a este conjunto de pessoas, sem dúvida de uma inteligência claramente superior à média, ter levado tanto tempo a tomar consciência da essência verdadeira do "socialismo real"? Como foi possível ignorar tanto tempo a Hungria de 56, a Checoslováquis de 68 ou mesmo a Polónia do início dos anos 80? Diga-se o que se disser, e mais do que cansaço ou desalento, foi a queda do bloco socialista que mais contribuiu para a quebra acentuada de influência do PCP e para o descrédito junto de grandes sectores da população.
Fica-me por um lado, a impressão de que, tivesse Cunhal tido o alento ou vontade de dar mais um dos seus magistrais e maquiavélicos golpes de rins, muitos deles teriam seguido a nova onda. Eles e, por acrescento de razão, a maioria seguidista do CC e do partido. As intervenções no XII Congresso reflectem ainda um pensamento centrado no partido e na sua defesa como vanguarda da classe operária e da revolução socialista. Donde se poderá inferir que a divergência seria, na altura, não de fins mas sobretudo de métodos. E especialmente quando se estava do lado que "sofre" na pele os métodos.
Fica, por outro lado, a impressão que muitos destes dessidentes já o eram, estando, como os militares que RN refere no livro, à espera de um pretexto para cortar os laços com o partido. E nesse aspecto, tal como a intervenção que o agora ministro Mário Lino fez na apresentação da obra, o livro de RN aparece como uma auto-justificação das opções feitas e um serenar de consciências.
Fica, ainda, por explicar a aproximação ao PS.O livro limita-se a traçar uma breve cronologia da gradual convergência de acção com o Partido Socialista, sem nos esclarecer quando, onde e como se processa a convergência ideológica. Isto se, de facto, é possível existir convergência ideológica com um partido "tão liberal, tão permissivo que no seu âmbito cabem todas as opiniões, todas as posições" e onde existe o claro risco de "perda de referências identitárias".